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Empregada que levava jiboia para o trabalho comprova perseguição por ação na JT e ganha indenizações |
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Ela foi contratada por uma escola de aviação como homologadora do curso de comissário de bordo. Um ano depois, a empresa prestou duas queixas policiais contra a trabalhadora: a primeira, denunciando prática de concorrência desleal; a segunda, acusando-a de causar pânico e expor a risco o ambiente de trabalho porque, volta e meia, levava para a empresa o seu animal de estimação, uma jiboia! Sim, uma serpente viva que, um dia, fugiu e perambulou solta pelas dependências da empresa! Mas, em que pese a cobra ser verdadeira, nem tudo é o que parece.
Ao analisar, na 11a Turma do TRT-MG, o recurso da trabalhadora contra a sentença que negou os seus pedidos de indenização por danos morais e materiais, a desembargadora relatora Adriana Goulart de Sena Orsini vislumbrou a verdadeira intenção da empresa por trás das denúncias, feitas um tanto tardiamente e que acabaram não resultando em nenhuma condenação penal. Tudo não passava de perseguição à trabalhadora, por ter movido ação na JT contra a empresa, na qual fizeram acordo um mês antes do registro dos Boletins de Ocorrência pela ré. “A conduta da tomadora de serviços com o intuito de fazer perseguição à ex-trabalhadora, para lhe prejudicar e lhe causar transtornos, em razão de ter acionado a Justiça do Trabalho, configura abuso de direito (artigo 187 do CC) e viola direitos da personalidade (artigo 5º da CRFB/88), que devem ser reparados financeiramente através de indenização por danos morais. Oportuno ressaltar que os deveres anexos de conduta derivados da boa-fé objetiva, da eticidade e da lealdade permeiam a relação pós-prestação de serviços, nos termos do artigo 422 do Código Civil”, registrou a relatora na ementa do voto, acompanhado, por maioria, pela Turma julgadora. Entenda o caso - Contratada pela Escola de Aviação, em abril de 2014, a homologadora do curso de comissários de bordo ajuizou reclamação trabalhista um ano depois, com pedido de rescisão indireta, alegando não estar recebendo salários, além de sofrer humilhações. Um mês após da efetivação do acordo entre as partes nesse processo, a proprietária da escola registrou dois Boletins de Ocorrência, relatando fatos ocorridos durante o ano de 2014. Para a reclamante, tudo não passou de perseguição, porque só depois da propositura da ação é que as queixas foram prestadas, levando-a a desgaste moral e a despesas com a contratação de advogado para defendê-la. Por isso, pediu a dupla indenização: por dano moral e material. A tese da defesa era de que não se tratava de perseguição e que apenas registraram as ocorrências devido ao comportamento inadequado da trabalhadora. A empresa e sua proprietária apresentaram a versão de que a ex-funcionária desviou informações da escola para outra pessoa, através de e-mail e celular, com a intenção de constituírem uma empresa concorrente, fazendo uso de toda a documentação da escola. O Boletim de Ocorrência foi encaminhado ao Juizado Especial Criminal de Itajubá. Realizada a instrução processual, entendeu-se que as acusações não se enquadravam nas definições de crime de concorrência desleal, previstas no art. 195, III, da Lei 9.279/96, sendo consideradas como fato atípico, o que levou ao arquivamento do processo Já no outro B.O., a dona da escola disse que a trabalhadora levava, durante o expediente, uma jiboia, que era seu animal de estimação, ao argumento de que precisava alimentá-lo. Relatou também que, em determinado dia, a serpente sumiu dentro da empresa, causando pânico entre os frequentadores e a vizinhança e gerando evasão de alunos. Só 15 dias depois do desaparecimento do animal, a ex-funcionária localizou a cobra dentro do banheiro masculino da empresa. Novamente, realizada a instrução, o processo foi arquivado porque o fato também foi considerado atípico. Ao analisar os fatos do processo, a relatora chamou a atenção para dois pontos que considerou cruciais para o desfecho do caso. Primeiro: os dois procedimentos foram arquivados, não gerando efeitos na esfera penal. Segundo, ela estranhou que a ré só tenha apresentado as queixas depois do acordo firmado na primeira ação trabalhista. A julgadora observou que não houve imediatidade na conduta da empresa, que só mais de três meses depois do último dia trabalhado pela reclamante foi levar à Justiça fatos relacionados a uma suposta concorrência desleal e a desvio de informações praticados por ela. Sobre o episódio envolvendo o desaparecimento da jiboia de propriedade da reclamante, que é Bióloga, só depois de decorridos mais de quatro meses do incidente, houve a comunicação ao órgão policial para adoção das providências cabíveis. Uma testemunha declarou que a serpente não ficava presa e poderia se movimentar livremente dentro do estabelecimento. E que, alguns tinham medo dela, mas a maioria gostava do animal. E mais: que só depois do primeiro processo trabalhista, ouviu o patrão dizer que denunciaria a empregada às autoridades porque ela levava animal peçonhento para escola. A partir desse depoimento, a desembargadora concluiu que era comum a autora levar a jiboia à escola, sem oposição da empregadora. “É inusitado levar um animal dessa espécie ao local de trabalho, portanto, se os responsáveis pela escola fossem contrários à situação, deveriam tê-la proibido na primeira oportunidade, jamais permitindo que se tornasse algo corriqueiro”, frisou a relatora, destacando que as fotos anexadas mostram pessoas ligadas ao ambiente da escola com a jiboia, comprovando que a presença do animal nas dependências da empresa era assimilada e permitida pelos proprietários e por aqueles que ali frequentavam. “Caso assim não fosse, não haveria fotos e nem o tema teria sido ventilado meses após o ocorrido, mas sim, imediatamente por aqueles que, realmente, estivessem preocupados com o bem estar, com a sustentabilidade do meio ambiente, inclusive para o animal”, pontuou. Assim, considerando a falta de imediatidade na reação dos réus contra os fatos denunciados e, principalmente, que os BO's só foram lavrados depois do acordo celebrado na reclamação trabalhista, a magistrada concluiu que os réus agiram com o intuito de perseguição, buscando prejudicar e causar transtornos à trabalhadora. “A busca da tutela jurisdicional diante de ameaça ou de efetiva lesão a um direito é assegurada pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988, que consagra o princípio do acesso à jurisdição, um dos meios de se acessar ao mais fundamental direito fundamental, o Acesso à Justiça. Assim, ao propor a primeira demanda trabalhista, a autora exerceu de forma efetiva um direito fundamental. Direito outorgado a qualquer cidadão em face da Constituição da República de 1988” , ponderou, ressaltando que aos litigantes são assegurados o direito à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal. A desembargadora chamou a atenção para o fato de que o acordo na reclamação trabalhista anterior foi firmado, pondo fim ao litígio, sem que a CTPS da autora fosse assinada. De acordo com as ponderações da relatora, se houvesse, no caso, relação de emprego e os patrões discordassem da conduta da empregada ao longo da prestação dos serviços, poderiam, no exercício do poder empregatício, aplicar penalidades, como a de advertência, de suspensão ou até de dispensa por justa causa. “A lei, a doutrina e a jurisprudência estabelecem contornos adequados, éticos e democráticos para o exercício não abusivo do poder empregatício. Se a relação é de trabalho, o contrato firma os contornos estritos dos limites e poderes de cada uma das partes, caso haja. A relação contratual, ainda que fática, sempre será permeada pela lei em sentido lato. Afirme-se, ademais, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações, inclusive de emprego e de trabalho. Em hipótese alguma, poderiam perseguir e prejudicar a autora como fizeram, ainda mais se valendo do aparato estatal”, concluiu, condenando as rés ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 6.000,00, além de indenização pelos gastos com advogada (danos materiais), no importe de R$ 3.300,00. Por maioria de votos, a Turma julgadora acompanhou o entendimento. PJe: 0011775-92.2015.5.03.0061 (RO) |